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Jó 19 - A solidão dos abandonados

 


Solidão é um sentimento no qual uma pessoa sente uma profunda sensação de esvaziamento. Quem de nós  já passou por isso?
Este capítulo trata de uma das passagens de maior tristeza no Livro de Jó, e isso em um livro que é conhecido justamente por tratar especificamente do sofrimento. Neste capítulo Jó rebate seus amigos que o haviam acusado de transgressão. Apesar da companhia destes amigos, podemos perceber claramente que Jó passou por um terrível momento de sofrimento solitário. Este é foco de nossa maior atenção no texto: a solidão de Jó, embora rodeado de pretensos "amigos".




1 Então, respondeu Jó: 2 Até quando afligireis a minha alma e me quebrantareis com palavras? - Especialmente cruéis tinha sido as recriminações de Bildade (Jó 18. 2). Aqui Jó está introduzindo uma resposta para suas acusações. Os amigos de Jó, especialmente Bildade, estavam fazendo acusações duras a ele, dizendo que seu sofrimento era punição pelo pecado. Em todas as suas angústias, toda a sua ruína, a perda de todos os seus bens, seus filhos, sua saúde, ainda se somavam as acusações desleais dos seus companheiros. Nada poderia ser mais terrível para este homem.


3 Já dez vezes me vituperastes e não vos envergonhais de injuriar-me. - Não podemos esquecer que toda estas injúrias são totalmente infundadas, pois Jó era “íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal” (Jó 1.8). Por dez vezes seus  amigos  insistiam em acusações, sem apiedar-se de toda a dor pelo qual ele passava. Deveriam se envergonhar de pisotear um oprimido.



4 Embora haja eu, na verdade, errado, comigo ficará o meu erro. - Aqui Jó defende-se dizendo que, mesmo não sendo perfeito, se algum dano ele causou, causou apenas a si mesmo.  Se pecou não foi por causar dano a outra pessoa. Nenhum de seus amigos poderia o acusar de ter feito mal a  quem quer que seja,  senão a ele mesmo.



5 Se quereis engrandecer-vos contra mim e me arguis pelo meu opróbrio, - Há muitos que agem como estes "falsos amigos", ou seja, que utilizam a dor e o sofrimento alheio para fazerem comparação consigo mesmos sentido-se superiores. Utilizam a vergonha do outro para se engrandecerem. Estes comparam-se com o sofredor para exaltarem suas virtudes. Esse é um modo muito mesquinho de autoafirmar, oprimindo uma pessoa angustiada. Todos nós pecamos, devemos ser confrontados, mas no momento da dor precisamos de compaixão, não acusação.


6 sabei agora que Deus é que me oprimiu e com a sua rede me cercou. - Aqui ele responde, relembrando diretamente a fala de Bildade (Jó 18. 8). Contrariamente ao que disseram, Jó entende  que foi Deus mesmo quem lhe preparou a rede e lhe enredou os passos. Ele sabe que foi o Senhor quem causou tudo isso, porém  não  pode imaginar o motivo de tudo isso.  Olhando para cima não ouviria nenhuma resposta.


7 Eis que clamo: violência! Mas não sou ouvido; grito: socorro! Porém não há justiça. - Jó estava certo de que Deus não agira com justiça a seu respeito. Agora ele também reclama de que sua oração, seu clamor não estava sendo ouvido. De todas as formas possíveis , aparentemente, Deus ignorara a aflição de Jó. Será que Jó está sozinho em sua aflição?


8 O meu caminho ele fechou, e não posso passar; e nas minhas veredas pôs trevas. - Tal era sua desilusão e angústia, que ele não via mais nenhuma saída, ele estava desesperado. Olhava para adiante, na escuridão e não via nenhuma "luz no fim do túnel". Se tentava um escape, uma fuga, salvação, logo se frustrava pois se achava como "num beco sem saída".


9 Da minha honra me despojou e tirou-me da cabeça a coroa. - Além de tudo ainda fora despojado de sua honra, de seu lugar de destaque no meio da comunidade. A ilustração é de um rei deposto de sua majestade, retirado de seu trono. Sem dúvida é uma cena desoladora. Não havia mais coroa na sua cabeça, não havia mais honra nas suas vestes. Ele fora derribado pelo Senhor.



10 Arruinou-me de todos os lados, e eu me vou; e arrancou-me a esperança, como a uma árvore. - A próxima ilustração é de uma árvore arrancada, não uma árvore cortada. existem diferenças fundamentais entre arrancar e cortar A árvore, quando maligna, deve ser extirpada pela raiz antes que gere frutos, caso contrário toda a floresta será desvalorizada, pois os frutos caem e geram outras árvores e todas serão contaminadas. Então Jó era como uma árvore que fora arrancada para não contaminar a outros. Mas ele não enxerga o motivo de sua condenação, não compreendia porque estaria contaminado.



11 Inflamou contra mim a sua ira e me tem na conta de seu adversário. 12 Juntas vieram as suas tropas, prepararam contra mim o seu caminho e se acamparam ao redor da minha tenda. - Ele achava que Deus o havia escolhido como adversário e por isso o castigava por todos os lados, com ira. Com seu exército de aflições o Altíssimo se acampara contra a vida de Jó.



13 Pôs longe de mim a meus irmãos, e os que me conhecem, como estranhos, se apartaram de mim. 14 Os meus parentes me desampararam, e os meus conhecidos se esqueceram de mim. 15 Os que se abrigam na minha casa e as minhas servas me têm por estranho,e vim a ser estrangeiro aos seus olhos. 16 Chamo o meu criado, e ele não me responde; tenho de suplicar-lhe, eu mesmo. - Aqui ele começa a destacar o caráter tristemente solitário de sua dor. Nenhum de seus irmãos viera se compadecer do seu suplício. Sua solidão é realmente penosa, sem amigos, sem irmãos, sem familiares. Estava solitário, sem nenhum consolador. Embora seus três companheiros ali estivessem nenhum oferecera real manifestação de solidariedade.
Note também que seu isolamento não é voluntário, não foi ele que se afastou da convivência familiar, forem os parentes que se recusaram a visitar o oprimido Jó.
Enquanto ele estava frustrado porque os outros não vinham aliviar a sua dor, ele precisava entender que há uma parte no sofrimento que ele mesmo precisava suportar. Sofrimento, lágrimas, solidão, melancolia, todo esse peso sentiria sobre si, sozinho. Quem sabe do que Jó precisava passar para aprender o que o Senhor desejava? E se não houvesse aprendizado e não ocorresse aperfeiçoamento? O aperfeiçoamento é a parte mais importante do sofrimento. Por isso, todos nós precisamos de um momento de solidão. Sem esta dor e sem esta Solidão Jó não seria aperfeiçoado e não seria lembrado como um modelo de temor entre os fiéis.


17 O meu hálito é intolerável à minha mulher, e pelo mau cheiro sou repugnante aos filhos de minha mãe. 18 Até as crianças me desprezam,e, querendo eu levantar-me, zombam de mim.19 Todos os meus amigos íntimos me abominam,e até os que eu amava se tornaram contra mim.- Jó tinha amigos, tinha irmãos, tinha esposa, e mesmo assim se sentia só. Como isso é possível? Que tragédia monumental! Pior do que abandonarem, seus amigos íntimos o abominaram, as crianças riam dele, a esposa não tolerava nem o seu hálito.


20 Os meus ossos se apegam à minha pele e à minha carne, e salvei-me só com a pele dos meus dentes. - Aqui ele faz menção de sua excessiva magreza. Sua doença o deixava esquálido.


21 Compadecei-vos de mim, amigos meus,compadecei-vos de mim, porque a mão de Deus me atingiu. 22 Por que me perseguis como Deus me persegue e não cessais de devorar a minha carne? - Mais uma nota de profunda melancolia  nesta fala do patriarca. É impossível chegar na leitura até aqui e não se comover pela dureza do coração dos acusadores. Parece que não percebem, ou não querem perceber, a realidade cruel e amarga da desgraça acontecida com seu amigo Jó. Parece inexplicável que não tenham uma palavra de encorajamento ou consolo. Ele porém está exausto de sofrer.



23 Quem me dera fossem agora escritas as minhas palavras! Quem me dera fossem gravadas em livro! 24  Que, com pena de ferro e com chumbo,para sempre fossem esculpidas na rocha! - Porque Jó deseja que as suas palavras fossem gravadas, registradas para a posteridade? Certamente era porque agora ele tomaria novo impulso, uma coragem e uma determinação profética, para expressar algo totalmente diferente,  do lamento que até ali ele estava expondo. Num súbito momento de intensa inspiração Jó afasta de si suas angústia, suas dores e seus lamentos para propor uma das mais famosas confissões de fé do Antigo Testamento.



25 Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantará sobre a terra.
26 Depois, revestido este meu corpo da minha pele,em minha carne verei a Deus.

27 Vê-lo-ei por mim mesmo,os meus olhos o verão, e não outros; de saudade me desfalece o coração dentro de mim.

Neste trecho ele estava confessando, com toda autoridade e com muita fé, que Deus enviaria o seu redentor para o tirar daquele sofrimento.Isso foi uma confissão de fé.
 Oficialmente, redentor era a função do parente mais próximo, que tinha condições de restaurar a  vida, liberdade, posses e, eventualmente, vingar o mal cometido contra alguém. Era o redentor que devia socorrer o irmão (parente) necessitado. Quem seria este redentor? Ele sabia que não tinha mais nenhum irmão ou parente que o viesse socorrer, porém estava ciente que este redentor estava vivo e pronto para o ajudar, salvar e redimir. Sem dúvida, ele cria que o próprio Deus faria esse resgate. Uma confissão arrojada, que foi plenamente cumprida na pessoa e na missão de Jesus Cristo que seria revelado em tempo oportuno (Novo Testamento). Naturalmente Jó não entendia toda amplitude de sua confissão, nós porém , lendo este texto, podemos entender. É nítida a forte atuação do Espírito Santo em revelar ao coração de Jó que sua vida não encerraria com a morte terrena, mas que o Senhor preparava algo mais, uma eternidade em que ele estaria com seu Deus.


28 Se disserdes: Como o perseguiremos? E: A causa deste mal se acha nele, 29 temei, pois, a espada,porque tais acusações merecem o seu furor, para saberdes que há um juízo.- Continuamos a perceber a atuação do Espírito de Deus, agora pronunciando uma dura advertência contra os insensíveis  zombadores de Jó.




A Solidão na nossa vida diária


Há relatos de uma senhora que num momento de dor, se sentiu mais acolhida por uma estranha que pelos seus familiares. Casos assim são emblemáticos da falta de amor em nossa sociedade. Hoje a vida de muitas pessoas assemelha-se a de Jó, sentem-se sozinhos, mesmo entre muita gente. Habitar numa casa cheia de gente, ter vários parentes e dormir acompanhado não significa que tenhamos companhia de verdade. Especialmente quando o sofrimento é grande, são poucas as pessoas que desejam se conectar com ele, ou seja, demonstrar interesse e compreensão com a angústia do outro.

Os seres humanos sobreviveram desde sempre, por meio da cooperação, e quando excluídos de um grupo, tendem a sofrer muito por causa disto. Este afastamento afeta diretamente a saúde emocional e física do excluído. Sentimentos de solidão crônica estão associados a um risco aumentado de depressão após um ano. Um trabalho, liderado pelo psicólogo e especialista no assunto John Cacioppo, descobriu que o estresse provocado por essa sensação induz respostas inflamatórias nas células, afetando, entre outras coisas, a produção dos leucócitos, estruturas que defendem o organismo de infecções. "A solidão evoluiu como qualquer outra forma de dor", diz psicólogo John Cacioppo. A solidão quando não trabalhada, e amenizada, pode evoluir para um quadro mais grave, como depressão, levando até ao suicídio.

Jó esteve numa situação terrível e não teve nenhum amigo ou irmão para confortá-lo. Deus mesmo interveio em sua causa e lhe sarou as feridas da alma. Jó nunca esteve só, o Senhor sempre esteve com ele, e nós, por mais dor ou angústia que passemos, nunca estaremos sós, nunca estaremos desamparados, há sempre alguém que nos entende e nos escuta os lamentos e choros. Confie em Cristo, ele é o redentor que virá nos resgatar de toda e qualquer aflição..


Fontes de pesquisa

https://www.portoferreirahoje.com.br/noticia/2011/03/28/psicologa-comenta-sobre-o-vazio-existencial-e-a-depressao/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/saude/vida/noticia/2014/07/A-solidao-evoluiu-como-qualquer-outra-forma-de-dor-diz-psicologo-John-Cacioppo-4554909.html


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